Os Rafeiros e o Gôzo

Os rafeiros e o gôzo
Morreu um nédio cabrito, Sem que a nova agradecesse,
E o guardador, dono dêle, O convidado rafeiro,
Depois de tirar-lhe a pele, Atrás do gôzo matreiro
Aos cães no campo o deitou. De corrida caminhou.
Logo dum monte chegado, Eis que à prêsa se aproxima,
Tomando os ventos[1]) e o cheiro, Ladrando e os ares mordendo; Veio um possante rafeiro, Mas o que estava comendo,
Que da prêsa se apossou. Adiante se atravessou.
Depois um gôzo chegando, Mostrando os mordazes dentes,
Quis também ser camarada; Um ao outro se avizinha:
Mas levou tanta dentada, Entre o que estava e o que vinha
Que na emprêsa desmaiou. Pendência 2) atroz se travou.
Ganindo e lambendo os beiços, Ei-los nas pernas se empinam,
Pôs-se de parte sentado, Salto agora, agora tombo,
Até que, desenganado, Dentes ferrados no lombo,
Outro partido buscou. Largou êste, êste filou.
Foi-se ao casal mais vizinho, Entanto o ladino gôzo
E ao cão que guardava a porta, Esta aberta [2]) aproveitando,
De que havia uma rês morta, Nos restos da rês saltando,
Naquele campo, avisou Nem migalha esperdiçou.
[1] ) Tomando os ventos— farejando.
Depois de bem lacerados,
Os dois à prêsa voltaram; Mas só o sítio lhe acharam, Que nada o gôzo deixou.
Ah! quantos dêstes exemplos
Não vemos na redondeza 1),
Depois que a torpe avareza,
Seu veneno propagou?!
B. M. Curvo Semedo.